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O medo que precede o terrorismo


​Israelenses não nascem com medo de palestinos e vice-versa. Não são seres inatos ou geneticamente programados para sentir repulsão. Os dois povos são criados em uma cultura de medo que tende a distanciá-los. E quando a distância não é a opção, a aproximação é feita com violência. Esse é o desenvolvimento patológico das culturas israelense e palestina. O medo que seus governantes e comunidades provocam delineam o comportamento hostil que marca o dia-a-dia dos dois povos.

Por medo, nós, seres humanos, evitamos, repelimos, nos distanciamos e nos tornamos intolerantes. Por medo, perdemos qualquer senso de empatia e naturalizamos a animosidade. Agimos de forma inconsequente e irracional. Essa é a expressão do medo que observamos atualmente entre israelenses e palestinos. Quando estimulado com frequência, o medo provoca desespero e, no longo prazo, a necessidade por uma solução. Os estímulos externos – o discurso de ódio, a reportagem manipulada, a conversa inflamada, a foto alterada, o vídeo enviesado – fomentam um medo que cresce com o tempo e conduz judeus e palestinos a tomarem “corajosas atitudes” para pôr fim a esse ciclo de desespero interno.

Obviamente, o medo poderia atuar de outra forma. Ele poderia ser um fator de curiosidade e entendimento; um motivo de busca pela solução pacífica daquilo que inquieta israelenses e palestinos como indíviduos que, como quaisquer outros, almejam apenas viver em paz. Mas esse tipo de comportamento racional é constantemente reprimido pelas culturas de ambos. Dentre os dois povos observa-se sem qualquer pudor o silenciamento do diálogo, a inversão do conceito de paz e a perda de qualquer esperança.

Além disso, a imensa maioria dos analistas insiste em descrever e explicar a atual situação em termos territoriais, religiosos, nacionalistas, políticos ou econômicos, esquecendo se tratar de indivíduos que vivem suas ansiedades e medos intensamente. Esses indivíduos não são meras expressões de “questões territoriais ou religiosas”. Suas atitudes inconsequentes são o resultado de um longo processo psicológico que consolidou o medo como traço de personalidade e viu na irracionalidade a salvação. A verdade é que por trás de atos de coragem há um medo reprimido que analistas políticos preferem não abordar.

Obviamente, os elementos sociais são relevantes para o entendimento da situação, mas eles não explicam, por exemplo, a atitude de uma palestina de 17 anos que decide esfaquear um cidadão israelense em plena luz do dia ou a de um colono judeu que ateia fogo em uma casa onde vive uma família árabe. Há algo muito mais profundo do que “questões territoriais e religiosas”. Há uma patologia psicológica que não está sendo tratada. “O conflito”, como o entendemos, é mais do que um conceito brando a ser analisado estrategicamente. “O conflito” é também interno, alimentado no âmago da existência de israelenses e palestinos que convivem com seus ódios e desesperos diariamente.

Uma coisa é certa: árabes e judeus não se tornam terroristas da noite pro dia. Eles não agem de forma homogênea, como máquinas acionadas e programadas para causar caos. Eles são o resultado, cada um no seu mérito, de um contínuo condicionamento a sentirem medo um do outro. Eles são a manifestação do regime do medo e da insegurança que foi lentamente instaurado na região. Eles são, como colocou o filósofo Friedrich Nietzsche, humanos, demasiadamente humanos, por fazerem da sua humanidade um motivo para desumanizar.

A questão é como israelenses e palestinos foram condicionados a sentir tamanho medo? O que ocorreu ao longo dessas décadas que fez com que utilizassem a violência como recurso? Dar respostas claras a essas perguntas é uma tarefa complexa, mas consideremos o experimento realizado pelo psicólogo John B. Watson em 1920. No experimento, Albert, um bebê de não mais que um ano de idade, é colocado em um sala diante de observadores interessados em seu comportamento. Em um primeiro momento, Albert é exposto a diversos “estímulos” tais como um coelho branco, um rato, um pedaço de algodão e outro de madeira. Diante dos animais e dos objetos, o bebê não demonstra qualquer sinal de medo ou inquietude, apenas serenidade e calma. Em um segundo instante, os observadores liberam um alto som que assusta Albert de tal forma que o faz chorar. Conclui-se, portanto, que Albert apresenta reações contrárias a dois diferentes estímulos. No entanto, o psicólogo John B. Watson estava interessado na seguinte pergunta: Qual será a reação do bebê ao deparar-se com os animais que lhe provocavam serenidade junto com o alto som que lhe produzia um intenso medo? Para responder a essa pergunta, os observadores fizeram o seguinte: toda vez que os animais se aproximassem de Albert o alto som seria liberado. Dessa forma, o bebê passou a chorar diante da aproximação dos animais por temer o som. Pior, depois de algumas repetições, o som já não era mais necessário para provocar o medo – bastavam os animais (que antes lhe provocavam serenidade) para Albert começar a chorar. A conclusão da pesquisa é de que o bebê foi condicionado e teve um medo implantado artificialmente.

Deixemos de lado as questões éticas envolvidas e os questionamentos metodológicos sobre o experimento. Pensemos sobre as lições que podemos tirar dele. O que entendemos, no contexto de árabes e israelenses, sobre o condicionamento do medo e o comportamento dos indivíduos? O que é o “alto som” que provoca tanto medo nas duas sociedades e o que passou a ser temido que antes era motivo de serenidade e calma? O fato é que israelenses e palestinos acostumaram-se a entender um ao outro como motivo de medo – essa é a causa da distância, da repulsão e da violência. O “alto som” provocado pelos governantes de ambas as partes fomenta essa cultura da irracionalidade e das atitudes inconsequentes. A recomendação é o tratamento desse medo, pois é provável que israelenses e palestinos estejam perdendo belos dias de serenidade e calma.

Bruno Lima

Bruno é brasileiro e vive em Israel desde 2008. É graduado e mestre em Ciência Política pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Formado também em Sociologia & Antropologia, se interessa por filosofia, cultura israelense e psicologia.

http://www.conexaoisrael.org/

16/10/2015

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