Um país faminto
Moçambique atingiu o primeiro Objectivo de Desenvolvimento do Milénio de redução da fome, mas um quarto da população continua afectada.
A proporção de pessoas que sofrem de fome em Moçambique baixou de cerca de 56 porcento, na década 90, para cerca de 24 por cento na actualidade. Além de se destacar entre os 72 países que atingiram o primeiro Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, os dados da FAO indicam que Moçambique registou também progressos na meta assumida na Cimeira Mundial de Alimentação, em Roma em 1996, prevendo a redução para metade do número de pessoas subnutridas no país.
Entretanto, estes dados não significam que não existam problemas de alimentação no país, pelo contrário, os actuais níveis de pobreza significam que ainda temos sinais de insegurança alimentar e, sobretudo, de desnutrição crónica, principalmente em crianças.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, atente-se ao número de pessoas actualmente a braços com problemas de fome no nosso país: 430.000 pessoas, sobretudo na região sul do país (Maputo, Gaza e Inhambane) estão afectadas. Dados oficiais indicam que mais de 40 por cento das crianças sofrem de desnutrição crónica em Moçambique e, pelo menos, 80 mil morrem anualmente em todo país, um fenómeno que afecta principalmente as zonas rurais, onde o acesso aos serviços de saúde ainda é deficitário.
É um cenário assustador. Mais assustador é percebermos que nalguns países vizinhos o problema já está a criar movimentos migratórios com gente a cruzar as nossas fronteiras, no centro do país, buscando melhores oportunidades. Os apelos para que a Comunidade Internacional intervenha já ecoam um pouco por todo o lado. Só o nosso país precisa de pelo menos 19 milhões de dólares para mitigar o dilema dos afectados. É urgente!
Vários factores contribuem para esta situação; a região sul do país sofre ciclicamente de longos períodos de seca; mas há outros factores como inundações, pragas de insectos, falta de sementes apropriadas, queimadas descontroladas, a falta de infra-estruturas (vias) para escoar produtos das zonas mais produtivas para as mais carentes, a falta de meios de processamento e conservação de alimentos. Há ainda aqueles agricultores que optam pelo cultivo de produtos para a exportação, como o algodão e o tabaco, por exemplo, e tornam-se reféns do mercado internacional.
O que importa reter é que é preciso encontrar saídas para este dilema. O país não pode, ciclicamente, passar por estes constrangimentos. Temos terra e condições agro-ecológicas para a produção de comida. A fome que nos assola não é causada apenas pela falta de alimentos mas também, é sobretudo, pelo desconhecimento do que se pode comer. Por isso, a troca de experiências entre comunidades do mesmo distrito e de diferentes distritos e províncias revela-se recomendável na luta contra este mal na medida em que pode: Levar a identificação de novos produtos para consumo humano que já fazem parte da dieta de outras comunidades; Levar determinada comunidade a encontrar outras formas de preparar estes ou aqueles alimentos; Induzir novas práticas no aproveitamento dos desperdícios de alimentos.
Mas mais do que isso é preciso investir seriamente na agricultura. Nos países desenvolvidos o crescimento do sector industrial foi acompanhado pela transformação rápida da agricultura tradicional numa agricultura de alta produtividade, a chamada “agricultura industrial” ou “agricultura programada”, com uso massivo de maquinaria, automatização, adubos e pesticidas. Mas há também experiências muito bem conseguidas da chamada agricultura biológica, que socorre-se da utilização de restos de legumes, estrume de vaca, uma cultura de bactérias e terra. São técnicas que reduzem substancialmente os custos de produção.
Mas é preciso que se faça uma abordagem integrada da cadeia de produção e valor. Por isso é fundamental o envolvimento de todos os actores do Estado neste processo, nomeadamente os vários Ministérios da Planificação e Desenvolvimento, das Finanças, da Indústria e Comércio, das Obras Públicas, da Ciência e Tecnologia, da Educação, da Cultura, dos Recursos Minerais, do Trabalho e da Administração Estatal, entre outros, sob coordenação do Ministério da Agricultura… e nessa luta não se pode deixar de lado o sector privado. Dispersos, sabe-se, não vai dar certo. Se o país quiser sair da aflição, deve investir e muito bem na produção de comida. De outro modo, para o próximo ano, voltaremos ao mesmo!
… e os números serão bem maiores. Agora fala-se de quase meio milhão de pessoas passando fome mas não é tudo; há pelo menos mais uns tantos milhões que vivem com esse espectro nas costas. São números que nos devem preocupar.
Não tenhamos ilusões. Podemos ser 20 e tal milhões de moçambicanos tendo alguma coisa para comer mas enquanto tivermos estas 430.000 pessoas a padecer de falta de alimentos, então somos todos um país faminto!
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