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Mortos pelo narcisismo digital


Luce Pereira (texto) Jarbas (arte)

Pesquisa mostra que preço pago por pessoas capazes de fazer qualquer sacrifício em nome de uma bela selfie pode ser a própria vida e número de vítimas já supera, inclusive, o de ataques de tubarão.

Desde que a apresentadora Ellen DeGeneres resolveu fazer uma selfie com os ganhadores do Oscar, em 2014, o narcisismo digital passou a “adoecer” o planeta até se tornar ameaça de morte. Acredite (se puder), mas elas já estão vitimando mais do que ataques de tubarão, tragédia da qual os recifenses tornaram-se muito íntimos. Pesquisa realizada pelo site de tecnologia Mashable mostra que os ataques da fera marinha somam oito óbitos ao redor do mundo, em 2015, enquanto os acidentes fatais causados pelo autorretrato, feito em situações arriscadas, já chegam a 12. Como diriam inconformados com as proporções assumidas pelo fenômeno, traduzido como uma das maiores “declarações de amor a si mesmo”, nos tempos modernos: que maneira ridícula de morrer. O problema é que os incompreendidos fãs da própria imagem, como intoxicados vivendo o ápice da dependência, não conseguem refletir sobre causas ou efeitos do comportamento. Geralmente, quem faz isto no lugar deles são os meios midiático e científico – o primeiro buscando ampliar a fatia de público e o último, porque, de fato, vê no fenômeno o surgimento de uma “neurose”, de vez que a palavra pressupõe compulsão e repetição. Vale a pena lembrar a história do inglês Danny Bowman, 19 anos, que teria protagonizado um dos suicídios mais surpreendentes dos dias de hoje se não fosse salvo a tempo pela mãe e depois por uma terapia destinada a curar dependentes digitais, além de vítimas de dois tipos de transtornos – o Dismórfico Corporal e o Obsessivo-compulsivo (TOC). A razão que fez Danny colocar um pé na vida, outro na morte: não conseguir capturar a selfie perfeita, mesmo se fotografando mais de duzentas vezes por dia, por cerca de dez horas. Na tentativa, perdeu 30 quilos, a vontade de sair de casa durante seis meses, escola e amigos. Bowman conseguiu escapar da morte, mas o japonês que despencou de uma escada tentando se fotografar no Taj Mahal (Índia), não. A pesquisa encampada pelo site, a propósito, aponta que quedas ocupam o primeiro lugar entre as causas das “selfies assassinas”, seguidas por trens em alta velocidade, cenário também muito apreciado pelas vítimas. Por causa de tanto destemor, a lista das ameaças mais graves em viagens a lazer cresceu. Nem mesmo o perigo da proximidade com animais violentos ou peçonhentos é capaz de resistir à busca pela selfie que, postada nas redes sociais, poderá render centenas de curtidas e compartilhamentos. O resultado é que, em San Diego (Califórnia/EUA), no início de julho, um homem foi picado por uma cascavel com a qual posava para a própria câmera e, mesmo após tratamento hospitalar que consumiu US$ 150 mil da família, acabou morrendo. Levada a extremos, a mania também obrigou um parque nacional no Colorado (EUA) a fechar as portas: turistas não paravam de fazer fotos muito perto de ursos ferozes. Enquanto o governo russo faz cartilha alertando sobre o perigo vindo de câmeras fotográficas feitas sob medida para a vaidade dos donos, meios como a televisão se inspiram para transformar a mania em vistosos números de audiência. O ano de 2015 começou, nos EUA, com a produtora Dori Media apresentando o The Selfie Challenge (O desafio da Selfie), projeto de reality show que acompanha dois grupos de amigos em diferentes lugares no mundo. Eles competem em tempo real, de acordo com o número de autorretratos produzidos por cada um, e à medida que os episódios avançam, os desafios se tornam maiores. Até onde vai tamanha disposição dos fotógrafos de si mesmos para conseguirem ser vistos e aprovados por um número maior de pessoas, nem a psicologia conseguiu ainda responder. Porém, já sabe que o narcisismo pode ter fios ligando diretamente à infância e que quanto mais excessivos forem os investimentos feitos em um indivíduo, nesta fase, mais chances ele terá de chegar à idade adulta supervalorizando a própria figura, sem reunir condições de estabelecer vínculos profundos. Portanto, quando vir alguém que reduziu o mundo a uma câmera e um pau de selfie, apenas entenda. Afinal, atire a primeira pedra quem já não fez pelo menos uma.

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