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Tenho por mim


Hoje encontrei este desenho do poeta cubano Nicolás Guillén, que fiz há algum tempo. Porque recebi hoje este poema dele, que reproduzo abaixo, em tradução livre minha do espanhol. Quando terminei de ler o poema, lembrei dos rostos que já desenhei e que caberiam dentro desta poesia. Assim como me lembrei de muitos rostos do meu povo, o brasileiro. O momento atual no Brasil é preocupante: a elite brasileira, a velha, aquela rançosa, cheia de nhém-nhém-nhéns, mais uma vez quer se apossar do poder político brasileiro pra fazer a gente brasileira voltar para sua senzala, suas favelas, sua pobreza, sua cabeça-baixa, seu nordeste sofrido, sua inferioridade... de onde nunca deveria ter saído! Segundo esta elite vingativa. Mas todos tinham começado já a se levantar depois de séculos de abandono! Ah elite brasileira retrógrada, incapaz de enxergar mais longe... ("Garoa do meu São Paulo - timbre triste de martírios (...) São sempre brancos e ricos. Garoa sai dos meus olhos!", no dizer de outro poeta, Mário de Andrade.) Ah Euclides da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado, Florestan Fernandes, Mário de Andrade! Ah Ariano Suassuna, Antonio Nóbrega, Rolando Boldrim, Chico Buarque, Marieta Severo, Gilberto Gil! Ah amantes todos do Brasil, do seu povo e sua cultura! Se não tomarmos cuidado hoje, a roda volta a girar para trás de novo...

TENHO POR MIM Nicolás Guillén

Quando me vejo e toco

eu, João sem Nada ontem

e hoje João com Tudo

e hoje com tudo

volto meus olhos e miro

me vejo e toco

e me pergunto como isso pode ser.

Tenho por mim, vamos a ver,

eu tenho o gosto de andar por meu país

dono de quanto existe nele

olhando bem de perto o que antes

não tive e não podia ter.

Safra posso dizer, monte posso dizer, cidade posso dizer, exército dizer, agora meus para sempre, e teus, nossos e um amplo esplendor de raio, estrela, flor. Tenho por mim, vamos a ver, tenho o gosto de ir eu, campesino, operário, gente simples, tenho o gosto de ir - quereis um exemplo? - a um banco e falar com o administrador, não em inglês, não falando “senhor”, mas dizendo “compañero”, como se diz em espanhol.

Tenho por mim, vamos a ver, que sendo um negro ninguém pode me deter à porta de uma festa ou de um bar. E nem no carpete de um hotel gritar-me que não tem quarto, um mínimo quarto, e não um quarto enorme, um pequeno quarto onde eu possa descansar. Tenho por mim, vamos a ver, que não há guarda rural que me agarre e me prenda em um quartel, nem me arranque e me expulse de minha terra no meio do caminho real.

Tenho por mim que como tenho a terra, tenho o mar, não “country”, não “jailáif”, não tênis e não “yatch”, a não ser de praia em praia e onda em onda, gigante azul aberto democrático: enfim, o mar.

Tenho por mim, vamos a ver, que já aprendi a ler, a contar, tenho por mim que já aprendi a escrever e a pensar e a rir. Tenho por mim que já tenho onde trabalhar e ganhar o que preciso para viver. Tenho por mim, vamos a ver, tenho o que eu teria que ter.

http://artemazeh.blogspot.com/

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